Ser um nerd para alguns não é exatamente um elogio. São incontáveis os círculos sociais em que são submetidos a constrangimentos e olhares de desprezo por preferirem os computadores às pessoas, o isolamento ao convívio social.Há um pequeno recorte no mundo, no entanto, onde ser nerd e professar sua condição de forma orgulhosa é um ato livre de julgamentos e preconceitos, a cidade eletrônica de Akihabara, no centro de Tóquio.
O gosto por seriados de TV, roupas com ícones de games e a aversão aos exercícios físicos que compõem o imaginário do que é um nerd não formam, nem de longe, o tipo de cara que é popular entre as garotas e admirado por seus pares. Para evitar as piadas, há quem guarde com discrição seus bonecos do Star Wars ou evite espalhar por aí o nome do RPG que está jogando com os amigos.
Todas as manhãs, pontualmente às 8 horas, as lojas de Akiba, como o bairro é apelidado por seus frequentadores, erguem as portas para receber as mais de 150 mil pessoas que cruzam diariamente as lojas, do bairro mais plugado do mundo, alimentado por duas linhas de metrô e um infinito de ciclovias que convergem para lá.
Em dias de lançamento da indústria de games, algumas lojas abrem mais cedo, pressionadas por pequenas multidões de geeks que, muitas vezes, viram a noite nas ruas de Akiba para serem os primeiros a comprar a novíssima versão de jogos da Konami ou Nintendo.
Akihabara é tudo que nós, estrangeiros, imaginamos do Japão: luminosos que nunca apagam, tecnologia transbordando pelas janelas, multidões a passos apressados e dezenas, centenas, milhares de japoneses com os olhos vidrados nas telinhas brilhantes de seus smartphones ou games portáteis.
A segunda sensação, mais marcante, é de estranheza. Como podem as lojas expor seus notebooks, celulares e câmeras fotográficas em bancas sob as calçadas? Não há por aqui nenhum espertalhão que arrisque sacá-las das bancadas e sumir na multidão?
De acordo com a polícia metropolitana de Tóquio, só duas tentativas de furto são anotadas a cada semana em Akiba, índice insuficiente para dissuadir as lojas de deixar seus gadgets tão expostos. A explicação para o baixo índice de roubos vai além da fama de honestidade dos japoneses. O valor dos eletrônicos não é alto e as penas para trombadinhas são duríssimas.
Um celular usado (que dirá roubado) não é revendido por mais de US$ 5. Um netbook novinho, vale US$ 200, sem origem, então, o preço desaba. Simplesmente o risco de roubar é alto demais para a pouca lucratividade que o crime traria.
Woodstock Nerd
A terceira e mais marcante sensação a assaltar um forasteiro em Akiba é o clima de festa nerd que toma conta das ruas. Garotos gorduchos caminham livremente com suas camisas do Super Mário e capa de Batman pendurada às costas. Fãs de cosplay circulam em suas fantasias ao lado de trabalhadores engravatados sem causar espanto
Banda larga? Contrata-se na casa das centenas. Vai um plano de 100 Mbps ou de 200 Mbps?
Algumas LAN houses vendem conexões exclusivas para serem usadas por um único cliente. É como se você comprasse uma mesa com PC e internet para usar quando quiser e, se quiser, ficar lá o tempo todo, jogando, digamos, 70 horas sem parar.
Além dos preços sem igual no mundo, comprar em Akiba é uma experiência antropológica para os gaijins. A tradição de mimar o consumidor faz os visitantes do bairro sentirem-se no limite do constrangimento com tanta gentileza. Quem entra nas lojas, é saudado com um sonoro irashaimassê (algo como seja bem-vindo) e pode fuçar à vontade nos produtos, fazer perguntas, comparar preços e sair de lá sem comprar nada. A imagem do vendedor furioso com o cliente que lhe tomou tempo simplesmente não existe.
O idioma é, naturalmente, um grave obstáculo às compras. São poucos os lugares onde vendedores falam inglês e, mesmo quando falam, o fazem com um sotaque duro de compreender. O excesso de atenção e preocupação com o cliente, no entanto, superam com larga vantagem as barreiras idiomáticas.
Algumas regras de etiqueta, porém, são recomendáveis. Em Akiba como em todo o Japão não se pechincha e não se oferece gorjetas. Ambas práticas são claramente ofensivas. O preço anotado na etiqueta é o que vale, não há margem para negociação. Esta característica é especialmente vantajosa para estrangeiros, que podem ter a certeza que pagarão o mesmo valor que qualquer outro consumidor, sem as comuns engabelações de que os gringos são vítimas ao fazer compras no exterior.
Também não é educado contar o troco que um vendedor lhe devolve após um pagamento. Em bom japonês eles dizem. “Você me deu cinquenta, o produto custou trinta, então lhe devolvo vinte” e contam “dez, quinze, vinte”, colocando nota sobre nota à sua frente para depois entregar-lhe o troco usando as duas mãos.
O ápice da gentileza ao cliente acontece logo após o pagamento. Todos os funcionários da loja – de qualquer loja – que virem você comprando farão uma pausa de um segundo em suas tarefas para dizer “Domo Arigato Gozai Mashita”, algo como “muito, muito obrigado”. Acredite, comprar um produto de R$ 5 e ver 20 pessoas se enfileirarem para agradecer você pode ser muito constrangedor.
Pague para conversar
Uma atração particular de Akiba são os cafés onde se paga para ter companhia feminina. Explorando a timidez de consumidores introvertidos demais para conversar com uma mulher, algumas lojas oferecem este atrativo. Garotas jovens em trajes colegiais que tentam juntar grana para uma viagem de fim de ano ou para entrar na faculdade, se dispõem a cobrar para tomar um café a dois, cantar uma música no karaoquê ou disputar uma partida de videogame a dois. Nem de longe a prática é associada a prostituição, não se negocia sexo, mas sim atenção.
A prática pode parecer estranha. Mas ai está a essência de Akiba, um lugar onde podemos fazer coisas estranhas com absoluta naturalidade.
Veja abaixo, um vídeo sobre Akihabara: